Ministros do STF em sua maioria concordam com foro privilegiado após o cargo, mas Mendonça segue contra.

Para a maioria dos ministros, o atual entendimento causa flutuações de competência nas causas criminais, trazendo instabilidade ao sistema de Justiça. Já Mendonça acredita que a ampliação a período posterior ao cargo representaria discriminação injustificada e contrariaria à jurisprudência do STF.

O STF tem maioria para a manutenção da prerrogativa de foro nos casos de crimes cometidos no cargo e em razão dele, após a saída da função.

Além do ministro Gilmar Mendes, relator, também já votaram pela manutenção do foro após a saída do cargo os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Barroso. O ministro André Mendonça divergiu ao defender que o foro por prerrogativa de função deve cessar assim que o agente político deixa o cargo.

O julgamento, que ocorre em plenário virtual, se estende até sexta-feira, 27. Os ministros podem alterar seus votos, e os demais podem proferir a qualquer momento.

Caso concreto

O caso em análise abarca um HC impetrado pelo senador Zequinha Marinho, pedindo que sua situação seja analisada pelo Supremo.

O ex-deputado Federal se tornou réu por suposta prática de “rachadinha” quando estava no cargo. Segundo a denúncia, Zequinha teria exigido que servidores de seu gabinete, entre 2007 e 2014, depositassem mensalmente 5% dos salários nas contas de seu partido, sob pena de exoneração.

A defesa alega que o STF é competente para julgar o caso, pois o réu exerceu, seguidamente, os mandatos de deputado Federal, vice-governador do Pará e senador da República.

O inquérito foi aberto em 2013, inicialmente sob supervisão do STF, mas foi remetido ao TRF da 1ª região, em 2015, após renúncia do parlamentar.

Desde então, a denúncia foi oferecida e a ação penal tramitou por quase quatro anos no TRF da 1ª região, por três anos na Seção Judiciária do Pará e por mais dois anos na Seção Judiciária do DF.

Transcorrida mais de uma década, a instrução processual não foi concluída.

Entendimento atual

Desde 2018 o STF entende haver foro privilegiado — remetendo os autos para análise pela Corte — nos crimes cometidos por parlamentares no mandato e em função do cargo, segundo a regra da contemporaneidade (AP 937).

Se o mandato for encerrado por renúncia, cassação ou não reeleição, a apuração é enviada para a 1ª instância (regra da atualidade).

Assim, a única possibilidade para perpetuação da competência da Corte é após o fim da instrução do processo, com a publicação do despacho para apresentação de alegações finais.

Competências

Ao proferir seu voto, o ministro Gilmar Mendes, relator do caso, destacou que, em caso de crimes funcionais, o foro deve ser mantido mesmo após a saída do cargo. Nesse sentido, o investigado apenas perderia o foro se os crimes fossem praticados antes de assumir o cargo ou se não possuíssem relação com o exercício da função.

Em seu voto, Gilmar pontuou que o atual entendimento do STF reduz, indevidamente, o alcance da prerrogativa de foro e é contraproducente por causar flutuações de competência nas causas criminais, trazendo instabilidade ao sistema de Justiça.

“O parlamentar pode, por exemplo, renunciar antes da fase de alegações finais, para forçar a remessa dos autos a um juiz que, aos seus olhos, é mais simpático aos interesses da defesa”, afirmou.

Ao final, o ministro Gilmar Mendes votou por conceder o Habeas Corpus (HC) e reconhecer a competência do STF para processar e julgar a ação penal, propondo a seguinte tese:

“A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício.”

Gilmar também propôs a aplicação imediata da nova interpretação aos processos em curso, com a ressalva da validade de todos os atos praticados pelo Supremo Tribunal Federal e pelos demais juízos nos moldes da jurisprudência anterior.

Ministro Cristiano Zanin, acompanhando o relator na íntegra, entendeu que a proposta do ministro Gilmar Mendes contribui, a um só tempo, para a uniformidade, eficiência e segurança jurídica aos provimentos jurisdicionais,“evitando oscilações incessantes de competência e declínios indefinidos de processos, circunstâncias aptas a ocasionar procrastinações e ocorrências prescricionais”.

Ao aderir à tese proposta por Gilmar, Zanin firmou entendimento de que a jurisdição deve ser determinada pela qualidade do cargo do agente no momento do cometimento da infração funcional, mesmo que não esteja mais em exercício quando iniciado o procedimento criminal.

O Ministro Alexandre de Moraes seguiu na íntegra o entendimento do relator, defendendo a aplicação da regra da contemporaneidade em relação às infrações penais praticadas no exercício da função atende ao princípio da razoabilidade, pois observadas a proporcionalidade, a Justiça e a adequação na interpretação do art. 102, I, ‘b’ e ‘c’ da CF, em absoluto respeito ao princípio do juiz natural, possibilitando a atuação legítima do STF.

“Essa CORTE SUPREMA deverá, portanto, aplicar a interdependência e complementaridade das normas constitucionais, que não deverão, como nos lembra GARCIA DE ENTERRIA, ser interpretadas isoladamente, sob pena de desrespeito à vontade do legislador constituinte […], sendo impositivo e primordial a análise semântica do texto Magno, garantindo a plena eficácia da previsão constitucional expressa da competência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL para o processo e julgamento das autoridades com prerrogativa de foro por infrações penais praticadas no exercício das funções […].”

O ministro Barroso concordou com o argumento do relator de que o envio do caso a outra instância quando o mandato se encerra produz prejuízos. Esse ‘sobe-e-desce’ processual produzia evidente prejuízo para o encerramento das investigações, afetando a eficácia e a credibilidade do sistema penal. Alimentava, ademais, a tentação permanente de manipulação da jurisdição pelos réus.

O presidente do STF destacou que a decisão de manter o foro não altera a proposta feita por ele e aprovada pelo STF em 2018, na questão de ordem da AP 937. Na ocasião, o Supremo restringiu o foro apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

Barroso esclareceu que o julgamento em andamento altera, na realidade, o entendimento firmado em 1999, na questão de ordem no Inq. 687, segundo o qual o fim do cargo encerrava também a competência do STF.
“Nesse ponto, considerando as finalidades constitucionais da prerrogativa de foro e a necessidade de solucionar o problema das oscilações de competência, que continua produzindo os efeitos indesejados de morosidade e disfuncionalidade do sistema de justiça criminal, entendo adequado definir a estabilização do foro por prerrogativa de função, mesmo após a cessação das funções”, completou Barroso.

O ministro André Mendonça apresentou voto divergente contra a ampliação do foro por prerrogativa. Em seu voto, Mendonça defendeu que o foro por prerrogativa de função deve cessar assim que o agente político deixa o cargo.

O ministro se baseou no princípio do juiz natural, garantido pelo artigo 5º, inciso LIII da Constituição Federal, que assegura que toda causa seja julgada por um tribunal previamente estabelecido. Mendonça argumentou que a manutenção do foro privilegiado após o término do mandato seria uma violação desse princípio e um desrespeito ao devido processo legal.

Segundo o ministro, a prerrogativa de foro não é um privilégio pessoal do ocupante do cargo, mas uma proteção do cargo em si. Assim, quando o político deixa de exercer suas funções, a competência deve ser transferida para a primeira instância.

O ministro também citou o entendimento consolidado no julgamento do Inq. 687, que, em 2005, cancelou a Súmula 394 e firmou o entendimento de que a prerrogativa de foro termina com o mandato. Naquela ocasião, o STF decidiu que o foro privilegiado visava proteger o exercício do cargo, e não a pessoa que o ocupa, menos ainda quem já o deixou.

“Em síntese, o alargamento do foro por prerrogativa de função para período posterior ao fim do exercício do cargo ou função do agente político contraria a jurisprudência construída de forma gradativa e constante por este Supremo Tribunal Federal nas últimas duas décadas.”

Mendonça concluiu seu voto afirmando que, terminado o exercício do cargo, o ex-ocupante se torna um cidadão comum, que deve ser julgado pela primeira instância, como qualquer outro indivíduo. Ele ressaltou que o único caso em que seria admissível a manutenção do foro privilegiado seria nos processos em que a instrução processual já estivesse concluída, com a intimação para apresentação de alegações finais.

Os demais ministros terão até dia 27 de setembro para votar ou pedir vista e destaque.

Processo: HC 232.627 e Inq 4.787.